sexta-feira, 4 de março de 2011

3º Domingo da Quaresma - Ano A


Refletindo o Evangelho do Domingo

Pe. Thomaz Hughes, SVD



TERCEIRO DOMINGO DA QUARESMA - Ano A


Jo 4, 5-42

Aquele que beber desta água que eu vou dar, esse nunca mais terá sede



Oração do dia
Ó Deus, fonte de toda misericórdia e de toda bondade, vós nos indicastes o jejum, a esmola e a oração como remédio contra o pecado. Acolhei esta confissão da nossa fraqueza para que, humilhados pela consciência de nossas faltas, sejamos confortados pela vossa misericórdia. Por Nosso Senhor Jesus Cristo, Vosso Filho, na unidade do Espírito Santo.

Evangelho - Jo 4,5-42
+ Proclamação do Evangelho de Jesus Cristo segundo João
Naquele tempo: 4,5Jesus chegou a uma cidade da Samaria, chamada Sicar, perto do terreno que Jacó tinha dado ao seu filho José. 6Era aí que ficava o poço de Jacó. Cansado da viagem, Jesus sentou-se junto ao poço. Era por volta do meio-dia. 7Chegou uma mulher da Samaria para tirar água. Jesus lhe disse: 'Dá-me de beber'. 8Os discípulos tinham ido à cidade para comprar alimentos. 9A mulher samaritana disse então a Jesus: 'Como é que tu, sendo judeu, pedes de beber a mim, que sou uma mulher samaritana?' De fato, os judeus não se dão com os samaritanos. 10Respondeu-lhe Jesus: 'Se tu conhecesses o dom de Deus e quem é que te pede: 'Dá-me de beber`, tu mesma lhe pedirias a ele, e ele te daria água viva.' 11A mulher disse a Jesus: 'Senhor, nem sequer tens balde e o poço é fundo. De onde vais tirar a água viva? 12Por acaso, és maior que nosso pai Jacó, que nos deu o poço e que dele bebeu, como também seus filhos e seus animais?' 13Respondeu Jesus: 'Todo aquele que bebe desta água terá sede de novo. 14Mas quem beber da água que eu lhe darei, esse nunca mais terá sede. E a água que eu lhe der se tornará nele uma fonte de água que jorra para a vida eterna.' 15A mulher disse a Jesus: 'Senhor, dá-me dessa água, para que eu não tenha mais sede e nem tenha de vir aqui para tirá-la.' 16Disse-lhe Jesus: 'Vai chamar teu marido e volta aqui'. 17A mulher respondeu: 'Eu não tenho marido'. Jesus disse: 'Disseste bem, que não tens marido, 18pois tiveste cinco maridos,  e o que tens agora não é o teu marido. Nisso falaste a verdade.' 19A mulher disse a Jesus:  'Senhor, vejo que és um profeta! 20Os nossos pais adoraram neste monte mas vós dizeis que em Jerusalém é que se deve adorar'. 21Disse-lhe Jesus: 'Acredita-me, mulher: está chegando a hora em que nem neste monte,  nem em Jerusalém adorareis o Pai. 22Vós adorais o que não conheceis. Nós adoramos o que conhecemos,  pois a salvação vem dos judeus. 23Mas está chegando a hora, e é agora, em que os verdadeiros adoradores adorarão o Pai em espírito e verdade. De fato, estes são os adoradores que o Pai procura. 24Deus é espírito e aqueles que o adoram devem adorá-lo em espírito e verdade.' 25A mulher disse a Jesus: 'Sei que o Messias (que se chama Cristo) vai chegar. Quando ele vier, vai nos fazer conhecer todas as coisas'. 26Disse-lhe Jesus: 'Sou eu, que estou falando contigo'. 27Nesse momento, chegaram os discípulos e ficaram admirados de ver Jesus falando com a mulher. Mas ninguém perguntou: 'Que desejas?'  ou: 'Por que falas com ela?' 28Então a mulher deixou o seu cântaro e foi à cidade, dizendo ao povo: 29'Vinde ver um homem que me disse tudo o que eu fiz. Será que ele não é o Cristo?' 30O povo saiu da cidade e foi ao encontro de Jesus. 31Enquanto isso, os discípulos insistiam com Jesus, dizendo: 'Mestre, come'. 32Jesus, porém disse-lhes: 'Eu tenho um alimento para comer que vós não conheceis'. 33Os discípulos comentavam entre si: 'Será que alguém trouxe alguma coisa para ele comer?' 34Disse-lhes Jesus: 'O meu alimento é fazer a vontade daquele que me enviou e realizar a sua obra. 35Não dizeis vós: `Ainda quatro meses, e aí vem a colheita!` Pois eu vos digo: Levantai os olhos e vede os campos: eles estão dourados para a colheita! 36O ceifeiro já está recebendo o salário, e recolhe fruto para a vida eterna. Assim, o que semeia se alegra junto com o que colhe. 37Pois é verdade o provérbio que diz: `Um é o que semeia e outro o que colhe`. 38Eu vos enviei para colher aquilo que não trabalhastes. Outros trabalharam e vós entrastes no trabalho deles.' 39Muitos samaritanos daquela cidade abraçaram a fé em Jesus, por causa da palavra da mulher que testemunhava: `Ele me disse tudo o que eu fiz.` 40Por isso, os samaritanos vieram ao encontro de Jesus e pediram que permanecesse com eles. Jesus permaneceu aí dois dias. 41E muitos outros creram por causa da sua palavra. 42E disseram à mulher: 'Já não cremos por causa das tuas palavras, pois nós mesmos ouvimos e sabemos, que este é verdadeiramente o salvador do mundo.' Palavra da Salvação.

COMENTÁRIO

O texto de hoje, quase um capítulo inteiro, é tirado do Quarto Evangelho, e, portanto, tem que ser interpretado levando em conta as características do Evangelho de João - entre eles, o uso de símbolos (pessoas, eventos, coisas e números) e de “mal-entendidos” para dar oportunidade para uma explicação mais profunda sobre a pessoa e missão de Jesus. O capítulo é tão denso, que é impossível fazer jus ao seu conteúdo numa curta reflexão.
O relato vem da Comunidade do Discípulo Amado, onde certamente havia muitos samaritanos, vistos como impuros pelo judaísmo oficial. Embora os Sinóticos desconheçam qualquer ministério de Jesus entre os samaritanos, a Samaria foi palco de um dos primeiros trabalhos missionários da Igreja primitiva (At 1,8; 8,1-25). Os samaritanos eram descendentes da mistura entre os Israelitas do Reino do Norte e os migrantes pagãos, que foram levados à Samaria pelos Assírios, depois da queda do Reino de Israel em 721 a.C. O segundo livro dos Reis conta que os Assírios deportaram uma grande parte da população de Israel e levaram para lá gente de cinco nações pagãs (2Rs 17,1-6.24-41). Essas pessoas trouxeram a sua religião original, mas também adotaram o javismo como culto “ao Deus da terra”, formando assim uma religião com fortes traços de sincretismo. Os samaritanos aceitaram somente os cinco livros da Lei, rejeitando os profetas e toda a ênfase sobre o Templo de Jerusalém. Isso causou muito conflito com os Judeus, e no século antes de Jesus o Sumo Sacerdote de Jerusalém destruiu duas vezes o seu Templo no Monte Gazirim. Esse contexto histórico é essencial para entender o diálogo de Jesus com a mulher sobre os seus “cinco maridos”. Eles simbolizam os cinco Deuses dos povos que colonizaram Samaria e “aquele que você tem agora que não é seu marido” é o javismo sincretista dos samaritanos, pois “marido” é um símbolo profético para indicar Javé na sua relação com a sua esposa, o povo de Israel.
O diálogo segue a técnica típica joanina do ‘mal-entendido” (diálogo com Nicodemos também). Falando da água, a mulher entende somente água natural; mas Jesus se refere à sua revelação divina e ao Espírito Santo, água viva que será dada a quem aceita Jesus. Pode-se entendê-lo também como símbolo da água do batismo, que confere o Espírito Santo, e que é “uma fonte de água que jorra para a vida eterna” (v. 14).
No debate sobre o local de adoração de Deus, Jesus demonstra que no Novo Israel (a Igreja) a localidade não importa, porque o culto nascerá do Espírito de Verdade. Diante dessa nova revelação, outros debates casuísticos perdem o seu sentido! Uma lição para hoje, quando perdemos tempo discutindo inutilmente se se deve cultuar Deus na sábado ou no domingo, deste ou daquele jeito! Frequentemente partimos do que nos divide, muitas vezes coisas absolutamente secundárias, em lugar de olhar ao que no une.
A mulher samaritana, diante do encontro com Jesus, torna-se missionária do seu próprio povo. A evangelizada torna-se evangelizadora. Não é possível encontrar-nos com a Vida Nova em Jesus sem que nos tornemos missionários - não proselitistas, angariando adeptos para a nossa confissão religiosa, mas missionários, alastrando a mensagem do Reino de Deus entre nós, na construção de um mundo onde todos “tenham a vida e a vida plenamente” (Jo 10,10).
É importante não reduzir este texto a uma leitura moralizante - como se a mulher fosse da má fama, e agora se converteu para uma vida regular! É muito mais profundo. Quem faz a experiência de intimidade com Jesus, a encarnação do Deus da vida, necessariamente entre num processo de conversão, no seguimento do Mestre, e torna-se missionário da Boa Nova. Nunca cansemos nessa busca da água viva, pois só ela pode nos satisfazer. Peçamos com a mulher “Senhor, dá-nos essa água para que não tenha mais sede”.
O texto mostra bem como a proposta de Jesus para os seus seguidores é inclusiva - a mulher representa os que são excluídos, por motivo de pobreza, gênero, raça ou religião. Jesus não aceita a exclusão de quem quer que seja. Até os discípulos se chocaram quando encontraram Jesus dialogando com a mulher, pois as suas cabeças ainda trabalharam com os conceitos de “puro e impuro”, de “eles e nós”. Jesus veio para acabar com essas divisões, muitas vezes criadas em nome da religião e de Deus, com consequencias desastrosas. O contato com a fonte de água viva nos impulsiona para a criação de comunidades alternativas, baseadas na vivência de solidariedade, paz e justiça, na dinâmica do Reino de Deus.


 

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