quarta-feira, 29 de dezembro de 2010

BATISMO DO SENHOR


Refletindo o Evangelho do Domingo

Pe. Thomaz Hughes, SVD

FESTA DO BATISMO DO SENHOR - Ano A

Mt 3, 13-17
“Este é o meu Filho amado, que muito me agrada”

EVANGELHO
+ Proclamação do Evangelho de Jesus Cristo segundo Mateus 3,13-17
Naquele tempo: 3,13Jesus veio da Galiléia para o rio Jordão, a fim de se encontrar com João e ser batizado por ele. 14Mas João protestou, dizendo: 'Eu preciso ser batizado por ti, e tu vens a mim?' 15Jesus, porém, respondeu-lhe: 'Por enquanto deixa como está, porque nós devemos cumprir toda a justiça!' E João concordou. 16Depois de ser batizado, Jesus saiu logo da água. Então o céu se abriu e Jesus viu o Espírito de Deus, descendo como pomba e vindo pousar sobre ele. 17E do céu veio uma voz que dizia: 'Este é o meu Filho amado, no qual eu pus o meu agrado'. Palavra da Salvação.

COMENTÁRIO

Hoje, o Domingo depois da Epifania, celebra-se tradicionalmente a Festa do Batismo do Senhor. O batismo de Jesus por João Batista no Rio Jordão é tão importante teologicamente que é tratado por cada um dos quatro evangelistas, cada qual da sua maneira, dependendo da situação da sua comunidade e dos seus interesses teológicos. A história logo se tornou um problema para os primeiros cristãos, pois levantava a questão de como Jesus, sem pecado, podia ter sido batizado e, um ritual de purificação dos pecados. Por isso, Mateus deixa fora a referência de Mc 1, 4 ao perdão dos pecados, a adiciona vv. 14 e 15. Para João, o batismo era tão difícil de ser harmonizado com a sua cristologia, que omite qualquer referência ao atual evento, e no seu lugar, faz com que João Batista indica Jesus como o “Cordeiro de Deus” (Jo 1, 29-34).
O texto já nos apresenta o programa da vida e missão de Jesus - a justiça do Reino. Em Mateus, a palavra “justiça” designa a fidelidade nova e radical à vontade de Deus. O significado disso será mostrado ao longo do Evangelho. Também Jesus, unindo-se aos pecadores, já está desde o começo rejeitando a visão de um Messianismo triunfante.
Os sinóticos (Mt, Mc e Lc) ressaltam o fato que “o céu se abriu”. Marcos é mais contundente ainda quando enfatiza que “os céus se rasgaram”. É uma maneira simbólica de expressar que em Jesus acontece a união definitiva entre o céu e a terra (At 7, 56; 10, 11-16; Jo 1, 51) e uma revelação celeste (Is 63, 19; Ez 1, 1; Ap 4, 1; 19, 11). A revelação maior é a confirmação da identidade de Jesus como o Servo de Javé. Mateus, escrevendo dentro de um ambiente de polêmica com o judaísmo formativo do fim do primeiro século, muda a tradição original (Mc 1, 9-11; Lc 3, 21-22), onde as palavras do Pai se dirigiam a Jesus, para dirigi-las aos ouvintes :“Este é o meu Filho muito amado, aquele que me aprouve escolher” (v. 17). Estas palavras associam a terminologia de Sl 2, 7, que repete a profecia de Natã em 2Sm 7, 14 (tu és meu filho...) a Is 42, 1 (meu bem amado que me aprouve escolher). A passagem de Isaías apresenta o Servo que não levanta a voz (42, 2), nem vacila, nem é quebrantado (42, 4). (A tradução grega da Septuaginta usou uma palavra que podia expressar tanto o termo hebraico para “filho” como para “servo”). Fazendo fusão desses textos do Antigo Testamento, Mateus une em Jesus duas figuras proféticas - a do Filho da descendência real davídica e do Servo de Javé. Assim, prevê que o messianismo de Jesus implica a vocação do Servo Sofredor, e rejeita pretensões messiânicas triunfalistas. Podemos dizer que o Batismo é para Jesus o assumir público da sua missão como Servo de Javé. A voz do céu confirme a sua opção de vida. O Pai confirma que Ele reconhece Jesus, desde o início do seu ministério público, como seu Filho (Sl 2, 7), seu bem-amado, objeto da sua predileção.
Um dos sentidos mais importantes do nosso batismo também é o nosso compromisso público com a vontade do Pai. Todos nós podemos sentir a veracidade da mesma frase usada pelo Pai diante de Jesus - cada um de nós também é verdadeiramente filho(a) do Pai celeste (1Jo 3, 1), a quem aprouve escolher-nos. Nada pode fazer com que o Pai abandone esse amor incondicional e gratuito - nem a nossa fraqueza, nem o pecado (Rm 8, 39). Importante é reconhecer que Deus nos amou primeiro, incondicionalmente, e cabe a nós responder a este amor gratuito por uma vida digna de filhos e filhas do Pai, no seguimento de Jesus (1Jo 4, 10-11). Jesus não achou privilégio ser o amado do Pai, mas assumiu as consequências - uma vida de fidelidade, que o levava até a Cruz - e a Ressurreição! (Fl 2, 6-11). Celebrando essa festa litúrgica, renovemos o compromisso do nosso batismo, comprometendo-nos com o seguimento do Mestre, no esforço de criação do mundo que Deus quer, um mundo onde reinam o amor, a justiça e a verdadeira paz. O nosso batismo confirma que somos parceiros de Deus no ato permanente de criação, fazendo crescer o Reino d’Ele, que “já está no meio de nós” (Mc 1, 14).


EPIFANIA DO SENHOR


Refletindo o Evangelho do dia

Pe. Thomaz Hughes, SVD

FESTA DA EPIFANIA DO SENHOR
Mt 2, 1-12
“Ajoelharam-se diante dele e lhe prestaram homenagem”


Oração do dia

Ó Deus, que hoje revelastes o vosso filho às nações, guiando-as pela estrela, concedei aos vossos servos e servas, que já vos conhecem pela fé, contemplar-vos um dia face a face no céu. Por Nosso Senhor Jesus Cristo, Vosso Filho, na unidade do Espírito Santo.

EVANGELHO
+ Proclamação do Evangelho de Jesus Cristo segundo Mateus 2,1-12

2,1Tendo nascido Jesus na cidade de Belém, na Judéia, no tempo do rei Herodes, eis que alguns magos do Oriente chegaram a Jerusalém, 2perguntando: 'Onde está o rei dos judeus, que acaba de nascer? Nós vimos a sua estrela no Oriente e viemos adorá-lo.' 3Ao saber disso, o rei Herodes ficou perturbado assim como toda a cidade de Jerusalém. 4Reunindo todos os sumos sacerdotes e os mestres da Lei, perguntava-lhes onde o Messias deveria nascer. 5Eles responderam: 'Em Belém, na Judéia, pois assim foi escrito pelo profeta: 6E tu, Belém, terra de Judá, de modo algum és a menor entre as principais cidades de Judá, porque de ti sairá um chefe que vai ser o pastor de Israel, o meu povo.' 7Então Herodes chamou em segredo os magos e procurou saber deles cuidadosamente quando a estrela tinha aparecido. 8Depois os enviou a Belém, dizendo: 'Ide e procurai obter informações exatas sobre o menino. E, quando o encontrardes, avisai-me, para que também eu vá adorá-lo.' 9Depois que ouviram o rei, eles partiram. E a estrela, que tinham visto no Oriente, ia adiante deles, até parar sobre o lugar onde estava o menino. 10Ao verem de novo a estrela, os magos sentiram uma alegria muito grande. 11Quando entraram na casa, viram o menino com Maria, sua mãe. Ajoelharam-se diante dele, e o adoraram. Depois abriram seus cofres e lhe ofereceram presentes: ouro, incenso e mirra. 12Avisados em sonho para não voltarem a Herodes, retornaram para a sua terra, seguindo outro caminho. -Palavra da Salvação.

Comentário ao Evangelho
     Hoje celebramos uma das grandes festas do Ciclo de Natal - a Manifestação do Senhor (“Epifania” em grego), onde comemoramos o fato de que Jesus foi manifestado não somente ao seu próprio povo, mas a todos os povos, representados pelos Magos do Oriente. Além da sua grande popularidade folclórica, a festa celebra uma grande verdade da fé - que a salvação em Jesus é destinada a todos os povos, sem distinção de raça, cor ou religião. Retomando a grande intuição do profeta Isaías, celebramos hoje a salvação universal em Jesus.
O texto de hoje é altamente simbólico - usa uma técnica da literatura judaica chamada “midrash”, ou seja, uma releitura de passagens bíblicas, com o intuito de atualizá-las. Assim, Mateus quer ensinar algo sobre Jesus, usando figuras e símbolos tirados de diversos textos do Antigo Testamento. Por exemplo:
Vêm os magos (nem três, nem reis, segundo o texto!) buscando o Rei dos Judeus. Esses magos nos lembram dos magos que enfrentavam e foram derrotados por Moisés (Êx 7, 11.22; 8, 3.14-15; 9,11) e acabaram reconhecendo o poder de Deus nas maravilhas feitas por Ele.
A estrela é sinal da vinda do Messias, prevista na profecia de Balaão (Nm 24, 17).
O menino nasce em Belém, segundo a profecia de Miquéias (Mq 5, 1).
Os presentes lembram as profecias de Isaías sobre os estrangeiros que viriam a Jerusalém trazendo presentes para Deus (Is 49, 23; 60,5; também Sl 72, 10-11).
Herodes é o novo Faraó, que também massacra os filhos do povo de Deus (Êx 1, 8.16).
O texto chama a atenção pelas reações diferentes diante do acontecido. Os que deveriam reconhecer o Messias - pois são versados nas escrituras - ficam alarmados, pois para eles, opressores do povo através do abuso da religião e da política, Jesus e a sua mensagem constituem uma ameaça. Outros, pagãos do oriente, buscando sem ter certeza, arriscam muito para descobrir o verdadeiro Deus, e entregam-lhe presentes, sinais da partilha que será característica do Reino que Jesus veio pregar.
Hoje em dia, verificam-se as mesmas reações diante de Jesus e do seu Evangelho. Muitos querem reduzir os eventos religiosos a algo folclórico com shows e cantos, mas que de forma alguma deve questionar a nossa sociedade e os seus valores. Para outros, o menino na estrebaria é um sinal do novo projeto de Deus, o mundo fraterno, onde todos as pessoas de boa vontade têm que se unir, seja qual for a sua raça, nação, gênero ou religião, para construir a fraternidade que Deus quer.
Jesus não precisa de presentes, mas sim do nosso esforço na vivência do seu Reino. Não paremos numa explicação sentimental dos eventos das narrativas da Infância de Jesus, mas procuremos penetrar no seu sentido mais profundo. Pois, na prática, temos que optar, ou pela a vivência religiosa vazia, como a de Herodes e dos Sumos Sacerdotes, ou pela mensagem libertadora do Menino de Belém, que convoca a todos, representados pelos magos, para a construção do mundo de paz, fraternidade e justiça, pois Jesus veio para que “todos tenham a vida e a tenham plenamente.” (Jo 10, 10).
A festa de hoje é altamente missionária, pois é a manifestação de Jesus às nações. É uma boa oportunidade para retomarmos os apelos do Documento de Aparecida, que conclama à uma missão renovada, onde todos os cristãos saem dos limites das suas comunidades de fé, para levar o Evangelho especialmente aos mais afastados. Temos muito a caminhar ainda, mas o início foi feito, para que cheguemos a um Brasil não somente de batizados, mas de discípulos-missionários.


Salmo 71/72

As nações de toda a terra hão de adorar-vos, ó Senhor!

Dai ao rei vossos poderes, Senhor Deus,
vossa justiça ao descendente da realeza!
Com justiça ele governe o vosso povo,
comeqüidade ele julgue os vossos pobres.

As nações de toda a terra hão de adorar-vos, ó Senhor!

Nos seus dias a justiça florirá
e grande paz, até que a lua perca o brilho!
De mar a mar estenderá o seu domínio,
e desde o rio até os confins de toda a terra!

As nações de toda a terra hão de adorar-vos, ó Senhor!

Os reis de Társis e das ilhas hão de vir
e oferecer-lhe seus presentes e seus dons;
e também os reis de Seba e de Sabá
hão de trazer-lhe oferendas e tributos.
Os reis de toda a terra hão de adorá-lo,
e todas as nações hão de servi-lo.

As nações de toda a terra hão de adorar-vos, ó Senhor!

Libertará o indigente que suplica
e o pobre ao qual ninguém quer ajudar.
Terra pena do indigente e do infeliz,
e a vida dos humildes salvará.

As nações de toda a terra hão de adorar-vos, ó Senhor!






sábado, 27 de novembro de 2010

SAGRADA FAMÍLIA



Refletindo o Evangelho do Domingo


Pe. Thomaz Hughes, SVD

SAGRADA FAMÍLIA


Mt 2, 13-15.19-23.
 “Do Egito Chamei o Meu Filho”


Na Igreja Católica, no primeiro domingo depois do Natal é celebrada a Festa da Sagrada Família. Os textos dos evangelhos usados sempre fazem referência a Maria, José e Jesus; mas, devemos lembrar que o Evangelho visa ensinar algo sobre Jesus, a sua missão e as consequências para os seus discípulos - nós.
O relato de Mateus é conhecido como a história da “fuga ao Egito”. Como com todos os relatos da infância, tanto em Mateus como em Lucas (Marcos e João não os têm), devemos situá-lo no contexto da comunidade pela qual foi escrito. Para compreender bem Mateus, é necessário lembrar que ele estava escrevendo pelo ano 85 para uma comunidade basicamente judeu-cristã, sofrendo perseguição nas mãos do judaísmo rabínico formativo, que estava expulsando os cristãos da sinagoga. Por isso, Mateus sempre faz releitura do Antigo Testamento, aplicando as suas imagens à vida e à missão de Jesus. Assim, o sonho de José relembra os sonhos de Abimelec (Gn 20, 3-7) de Laban (Gn 31, 24) e especialmente de Jacó na noite da sua partida para o Egito (Gn 46, 2-4). A fuga da Sagrada Família recorda outras fugas de pessoas escolhidas por Deus, como Jacó (Gn 27, 43-45), Ló (Gn 19, 15), Moisés (Êx 2,15) e especialmente Jeroboão (1Rs 11, 40).
Os perseguidores da comunidade mateana apelavam à autoridade de Moisés; então, Mateus sempre procura mostrar que Jesus é o “Novo Moisés” e maior do que este. Por isso, enquanto em Lucas os pais levam Jesus tranquilamente para o Templo, em Mateus eles têm que fugir para o Egito para escapar da ameaça do Rei maléfico, Herodes. Assim, Jesus refaz a experiência de Moisés, que foi ameaçado logo após o nascimento, pelo Faraó, e como jovem teve que fugir para escapar da sua ira. Voltando do Egito, Jesus refaz o percurso do Êxodo do seu povo – Mateus, assim, mostra que é em Jesus que acontece a verdadeira e definitiva caminhada da opressão para a libertação, a libertação definitiva que nos vem através da salvação realizada em Jesus.
Este fato, de que Jesus realiza o Êxodo definitivo, é sublinhado pelo uso do texto de Oséias, 11, 1. Na profecia original, o “Filho” era o próprio povo de Israel. Aqui Mateus a aplica a Jesus como indivíduo, pois Ele representa o início da restauração de todo Israel. A fuga e a volta constituem o Novo Êxodo, com um novo e maior Moisés – Jesus.
No que se refere à família moderna, podemos ver como a família de Nazaré pôs-se no seguimento da vontade de Deus. Sendo pessoas “justas”, José e Maria não hesitam, mas colocam as suas vidas a serviço da vontade divina, de realizar a salvação de Jesus. Era uma família tipicamente judaica - com a sua fé alimentada pela espiritualidade dos “anawim”, ou dos “pobres de Javé”, tão bem expressada pelos profetas Segundo-Isaías, Sofonias e Segundo-Zacarias, entre outros. Foi no seio desta família, com esta espiritualidade, que Jesus descobriu a sua identidade, a sua fé e a sua missão.
Que a celebração desta festa anime a todas as famílias cristãs, num mundo onde a vida familiar é desprezada e até atacada, a fortalecer a sua vivência da fé, criando laços de amor e doação, baseando-se nos valores evangélicos de solidariedade, justiça e partilha. No nosso mundo da idolatria do consumo, do “Ter”, e do ‘Poder”, a nossa vivência familiar é instrumento valioso na realização permanente do processo do Êxodo em nossa vida, hoje.










MISSA DO DIA DE NATAL



Refletindo o Evangelho do Domingo


Pe. Thomaz Hughes, SVD

MISSA DO DIA DE NATAL

João 1, 1-18


Oração do dia

Ó Deus, que admiravelmente criastes o ser humano e mais admiravelmente restabelecestes a sua dignidade, dai-nos participar da divindade do vosso Filho, que se dignou a assumir a nossa humanidade. Por Nosso Senhor Jesus Cristo, Vosso Filho, na unidade do Espírito Santo.

Evangelho (João 1,1-18)

Proclamação do Evangelho de Jesus Cristo segundo João.
1,1 No princípio era o Verbo, e o Verbo estava junto de Deus e o Verbo era Deus.
2 Ele estava no princípio junto de Deus.
3 Tudo foi feito por ele, e sem ele nada foi feito.
4 Nele havia a vida, e a vida era a luz dos homens.
5 A luz resplandece nas trevas, e as trevas não a compreenderam.
6 Houve um homem, enviado por Deus, que se chamava João.
7 Este veio como testemunha, para dar testemunho da luz, a fim de que todos cressem por meio dele.
8 Não era ele a luz, mas veio para dar testemunho da luz.
9 era a verdadeira luz que, vindo ao mundo, ilumina todo homem.
10 Estava no mundo e o mundo foi feito por ele, e o mundo não o reconheceu.
11 Veio para o que era seu, mas os seus não o receberam.
12 Mas a todos aqueles que o receberam, aos que crêem no seu nome, deu-lhes o poder de se tornarem filhos de Deus,
13 os quais não nasceram do sangue, nem da vontade da carne, nem da vontade do homem, mas sim de Deus.
14 E o Verbo se fez carne e habitou entre nós, e vimos sua glória, a glória que o Filho único recebe do seu Pai, cheio de graça e de verdade.
15 João dá testemunho dele, e exclama: “Eis aquele de quem eu disse: O que vem depois de mim é maior do que eu, porque existia antes de mim”.
16 Todos nós recebemos da sua plenitude graça sobre graça.
17 Pois a lei foi dada por Moisés, a graça e a verdade vieram por Jesus Cristo.
18 Ninguém jamais viu Deus. O Filho único, que está no seio do Pai, foi quem o revelou.
Palavra da Salvação.

Comentário ao Evangelho


            Comunicação é atividade primordial de toda a humanidade, e o seu instrumento privilegiado é a palavra. Diariamente somos sujeitados a uma enxurrada de palavras, que muitas vezes servem para ofuscar a verdade, e desvirtuar a justiça, funcionando como instrumento de opressão, em lugar de solidariedade humana. Assim, é bom iniciar a nossa reflexão com uma consideração sobre o conceito que está atrás do termo “Palavra”.
            Obviamente, a primeira referência para nós é a Palavra de Deus, com destaque para a sua Palavra comunicada através da Sagrada Escritura. No Antigo Testamento, o tema da Palavra Divina não é objeto de especulação abstrata, como é o caso com outras correntes de pensamento, por exemplo o “Logos” dos filósofos alexandrinos. É antes de tudo um fato experimental: Deus fala diretamente aos homens e mulheres, ao seu povo e a toda a humanidade.
         Palavra de Deus é comunicação, auto-expressão e acontecimento salvífico. : Por isso podemos afirmar que a própria criação assinala o começo da história da autocomunicação e ação salvadora de Deus. Assim podemos afirmar que a Palavra de Deus pode ser considerada sob dois aspectos, indissociáveis mas distintos: ela revela e ela age. Ela revela quem é o verdadeiro Deus, pelo que ele faz. O Deus dos hebreus não é o deus dos filósofos, distante, imutável, objeto de estudo e fria análise, mas um Deus que se revela na ação da sua Palavra criadora, congregadora e libertadora.   Isso fica claro no texto que podemos considerar a chave de toda a Escritura, pois o resto da Bíblia é conseqüência daquilo que ela revela:
“Eu vi muito bem a miséria do meu povo que está no Egito. Ouvi o seu clamor contra seus opressores, e conheço os seus sofrimentos. Por isso, desci para libertá-lo do poder dos egípcios” (Ex 3, 7-8).
        Esse “descer” do Deus bíblico tem seu auge na Encarnação, como lemos no Prólogo do Quarto Evangelho, no nosso texto de reflexão:
“No início era a Palavra, e a Palavra estava com Deus... e a Palavra era Deus... e a Palavra se fez carne e armou sua tenda no meio de nós”. (Jo 1, 1.14)
        O projeto de Deus acontece quando essa palavra se fez homem, armou a sua tenda (ou acampou) entre nós. O verbo grego usado “eskênôsen” deriva-se do termo “skêne, que significa uma tenda de campanha. Na visão do Quarto Evangelho, a Palavra, o Verbo Divino, "armou sua tenda” no meio da humanidade, não “ergueu o seu Templo!"” Templo é fixo, tenda é móvel, ou seja, aonde anda o povo, lá estará a Palavra Viva de Deus, encarnada na pessoa e projeto de Jesus de Nazaré. Nele e por ele a Palavra age, operando a salvação aqui na terra. Podemos afirmar que o mistério da Palavra tem agora como centro a pessoa de Jesus Cristo, inseparável da sua missão e projeto.
            Mas essa encarnação tornou-se o divisor das águas para a humanidade. Pois “Veio aos seus e os seus não a acolheram”. Assim o nosso texto desafia qualquer acomodação que porventura possa existir entre os cristãos, pois "acolher” a Palavra Encarnada não é em primeiro lugar uma crença intelectual, mas o assumir dum projeto de vida, o seguimento de Jesus de Nazaré. É uma adesão radical à pessoa e missão de Jesus, continuados em nós hoje. Como diz o Evangelho de Mateus, “nem todo aquele que me disser “Senhor, senhor!” entrará no reino de Deus, mas aquele que cumprir a vontade de meu Pai do céu”(Mt 7,21).
O nosso texto nos anima para que não esfriemos no seguimento de Jesus, e nos assegura :
“Aos que a receberam, os tornou capazes de ser filhos de Deus, os que creram nele, os que não nasceram do sangue, nem do desejo da carne, nem do desejo do homem, mas de Deus”(Jo 1,12s).

Lendo o Texto no Contexto:

       Porém, a tomada de consciência de Jesus da sua missão, da sua identidade, não foi algo automâtico. A Epístola aos Hebreus enfatiza claramente o processo pelo qual Jesus passou, quando diz: “Embora sendo Filho de Deus, aprendeu a ser obediente através dos seus sofrimentos”(Hb 5,8)
       Vale a pena lembrar que o sentido mais profundo do termo “obediente” vem do Latim “ob-audire”, que é escutar ou ouvir a vontade e Deus – e pô-la em práticaOu seja, é mais uma obediência profética, (fazendo da vida de Jesus uma expressão viva da Palavra e Vontade de Deus), do que meramente disciplinar, como muitas vezes foi entendido na prática religiosa. Dentro desse processo, não há dúvida que a Palavra de Deus nas Escrituras judaicas teve um lugar de destaque para Jesus. Durante trinta anos, Jesus alimentou a sua espiritualidade, a sua fé, nas mesmas fontes do povo sofrido do interior de Palestina – na espiritualidade dos "Anawim", os “Pobres de Javé”, que davam destaque especial para Segundo e Terceiro Isaías, Segundo Zacarias e Sofonias, que fomentavam esperança e coragem, afirmando a presença de Javé Libertador entre os pobres e aflitos, (p. ex; Os Quatro Cantos do Servo de Javé, Is 42, 1-9; 49, 49, 1-9ª; 50, 4-11; 52,13-53,12; Is 61, 1-11; Zc 9,9-11 e Sf 3,11-13;). Foi no confronto entre a Palavra de Deus, transmitida nas escrituras através dessas vozes proféticas, e a realidade dura do seu povo sofrido e explorado, que Jesus clareou e concretizou a sua identidade e missão, fazendo com que, segundo Marcos, a prisão de João fosse o sinal para que ele assumisse o manto profético messiânico, não conforme a expectativa da sociedade, mas dentro da visão dos pobres de Javé.
“Depois que João Batista foi preso, Jesus voltou para a Galiléia, pregando a Boa Notícia de Deus”( Mc 1, 14s).
      Assim nós também temos que ler esse e qualquer texto bíblico em diálogo com a realidade do nosso povo – mas de maneira especial do povo excluído, sofrido e marginalizado, como Jesus fez. As Constituições dos Missionários do Verboa Divino (SVD) enfatizam esse aspecto de Jesus quando diz no seu Prólogo: “O Verbo fez-se homem em Jesus de Nazaré para revelar o nome do Pai e anunciar o Reino do seu amor. Esse amor sem limites Jesus fê-lo visível no mundo pecador por sua incondicional doação a todos os homens, sobretudo aos sofredores
 Pois a palavra escrita só se torna Palavra Viva, expressão do Verbo Divino, quando encarnada na realidade do povo, seguindo as opções concretas de Jesus.
    A nossa identidade cristã, a partir do nosso batismo, brota desse exemplo do Verbo Encarnado, “que armou a sua tenda entre nós”.  A fonte da espiritualidade de Jesus de Nazaré foi mais em sintonia com a espiritualidade do povo do “anawim”, do que com a visão centralizadora e legalista do Templo e dos escribas. Jesus descobriu a sua missão e a colocou em prática a partir da sua prática de diálogo – com o Pai, com o povo, com as escrituras e com a situação real sócio-político-religiosa dos moradores de Galiléia. Ser cristão implica encarnar essa mesma prática em nossa obra evangelizadora, onde estivermos. Longe de termos a atitude dos escribas e fariseus, convencidos como eram de ter toda a verdade sobre Deus, temos que cultivar a atitude de Jesus em diálogo com os pobres e excluídos, com pessoas de outras culturas e expressões religiosas – e em muitos lugares essas categorias serão quase que sinônimas.
       Temos o desafio de cultivarmos a espiritualidade da “tenda” mais do que do “Templo” - nem sempre fácil numa Igreja cada vez mais clericalizada e centralizadora. Com a atitude do Verbo que se encarnou, é obrigação inerente na nossa identidade discípulo-missionária fazer um esforço cada vez maior de aculturação e inculturação, cultivando o respeito às experiências de Deus nas outras culturas e expressões religiosas, numa atitude de verdadeiro diálogo, que não é uma atividade a mais, mas “uma atitude de “solidariedade, respeito e amor” (GS 3), que deve permear todas as nossas atividades”.

Pontos de Meditação/Pregação:

1.   As implicações, para a minha/nossa vida cristã, do fato que o Verbo Divino “armou sua tenda no meio de nós”: compromisso com os mais pobres e marginalizados; itinerância; presença da Igreja nas áreas e situações de “fronteira”, nos “Novos Areópogos”; rejeição de tudo que possa criar “classes” dentro da comunidade cristã.
2.  O diálogo entre a realidade do povo sofrido e texto bíblico. “Oxalá vocês escutem hoje o que ele diz”(Sl 95,4) ; “Tua Palavra é Lâmpada para os meus pés e ;uz para o meu caminho”(Sl 119, 105). O desafio de descobrir a vontade de Deus na realidade do povo, iluminando a nossa situação com a prática de Jesus.
3.   Jesus foi motivado pela sua experiência de Deus da Bíblia, conforme o texto lapidar de Ex 3, 7-10. A necessidade de “ouvir”, “ver” “conhecer”e “descer” com uma leitura da realidade e do texto Bíblico a partir da realidade dos sofredores.
4.   O desafio de cultivar na minha vida e ação como cristã uma atitude de “solidariedade, respeito e amor” diante de outras culturas e tradições religiosas.


Salmo 97/98

Os confins do universo contemplaram
a salvação do nosso Deus.

Cantai ao Senhor Deus um canto novo,
porque ele fez prodígios!
Sua mão e o seu braço forte e santo
alcançaram-lhe a vitória.

Os confins do universo contemplaram
a salvação do nosso Deus.

O Senhor fez conhecer a salvação
e, às nações, sua justiça;
recordou o seu amor sempre fiel
pela casa de Israel.

Os confins do universo contemplaram
a salvação do nosso Deus.

Os confins do universo contemplaram
a salvação do nosso Deus.
Aclamai o Senhor Deus, ó terra inteira,
alegrai-vos e exultai!

Os confins do universo contemplaram
a salvação do nosso Deus.

Cantai salmos ao Senhor ao som da harpa
e da cítara suave!
Aclamai, com os clarins e as trombetas,
ao Senhor, o nosso rei!

Os confins do universo contemplaram
a salvação do nosso Deus.