sábado, 27 de novembro de 2010

SAGRADA FAMÍLIA



Refletindo o Evangelho do Domingo


Pe. Thomaz Hughes, SVD

SAGRADA FAMÍLIA


Mt 2, 13-15.19-23.
 “Do Egito Chamei o Meu Filho”


Na Igreja Católica, no primeiro domingo depois do Natal é celebrada a Festa da Sagrada Família. Os textos dos evangelhos usados sempre fazem referência a Maria, José e Jesus; mas, devemos lembrar que o Evangelho visa ensinar algo sobre Jesus, a sua missão e as consequências para os seus discípulos - nós.
O relato de Mateus é conhecido como a história da “fuga ao Egito”. Como com todos os relatos da infância, tanto em Mateus como em Lucas (Marcos e João não os têm), devemos situá-lo no contexto da comunidade pela qual foi escrito. Para compreender bem Mateus, é necessário lembrar que ele estava escrevendo pelo ano 85 para uma comunidade basicamente judeu-cristã, sofrendo perseguição nas mãos do judaísmo rabínico formativo, que estava expulsando os cristãos da sinagoga. Por isso, Mateus sempre faz releitura do Antigo Testamento, aplicando as suas imagens à vida e à missão de Jesus. Assim, o sonho de José relembra os sonhos de Abimelec (Gn 20, 3-7) de Laban (Gn 31, 24) e especialmente de Jacó na noite da sua partida para o Egito (Gn 46, 2-4). A fuga da Sagrada Família recorda outras fugas de pessoas escolhidas por Deus, como Jacó (Gn 27, 43-45), Ló (Gn 19, 15), Moisés (Êx 2,15) e especialmente Jeroboão (1Rs 11, 40).
Os perseguidores da comunidade mateana apelavam à autoridade de Moisés; então, Mateus sempre procura mostrar que Jesus é o “Novo Moisés” e maior do que este. Por isso, enquanto em Lucas os pais levam Jesus tranquilamente para o Templo, em Mateus eles têm que fugir para o Egito para escapar da ameaça do Rei maléfico, Herodes. Assim, Jesus refaz a experiência de Moisés, que foi ameaçado logo após o nascimento, pelo Faraó, e como jovem teve que fugir para escapar da sua ira. Voltando do Egito, Jesus refaz o percurso do Êxodo do seu povo – Mateus, assim, mostra que é em Jesus que acontece a verdadeira e definitiva caminhada da opressão para a libertação, a libertação definitiva que nos vem através da salvação realizada em Jesus.
Este fato, de que Jesus realiza o Êxodo definitivo, é sublinhado pelo uso do texto de Oséias, 11, 1. Na profecia original, o “Filho” era o próprio povo de Israel. Aqui Mateus a aplica a Jesus como indivíduo, pois Ele representa o início da restauração de todo Israel. A fuga e a volta constituem o Novo Êxodo, com um novo e maior Moisés – Jesus.
No que se refere à família moderna, podemos ver como a família de Nazaré pôs-se no seguimento da vontade de Deus. Sendo pessoas “justas”, José e Maria não hesitam, mas colocam as suas vidas a serviço da vontade divina, de realizar a salvação de Jesus. Era uma família tipicamente judaica - com a sua fé alimentada pela espiritualidade dos “anawim”, ou dos “pobres de Javé”, tão bem expressada pelos profetas Segundo-Isaías, Sofonias e Segundo-Zacarias, entre outros. Foi no seio desta família, com esta espiritualidade, que Jesus descobriu a sua identidade, a sua fé e a sua missão.
Que a celebração desta festa anime a todas as famílias cristãs, num mundo onde a vida familiar é desprezada e até atacada, a fortalecer a sua vivência da fé, criando laços de amor e doação, baseando-se nos valores evangélicos de solidariedade, justiça e partilha. No nosso mundo da idolatria do consumo, do “Ter”, e do ‘Poder”, a nossa vivência familiar é instrumento valioso na realização permanente do processo do Êxodo em nossa vida, hoje.










MISSA DO DIA DE NATAL



Refletindo o Evangelho do Domingo


Pe. Thomaz Hughes, SVD

MISSA DO DIA DE NATAL

João 1, 1-18


Oração do dia

Ó Deus, que admiravelmente criastes o ser humano e mais admiravelmente restabelecestes a sua dignidade, dai-nos participar da divindade do vosso Filho, que se dignou a assumir a nossa humanidade. Por Nosso Senhor Jesus Cristo, Vosso Filho, na unidade do Espírito Santo.

Evangelho (João 1,1-18)

Proclamação do Evangelho de Jesus Cristo segundo João.
1,1 No princípio era o Verbo, e o Verbo estava junto de Deus e o Verbo era Deus.
2 Ele estava no princípio junto de Deus.
3 Tudo foi feito por ele, e sem ele nada foi feito.
4 Nele havia a vida, e a vida era a luz dos homens.
5 A luz resplandece nas trevas, e as trevas não a compreenderam.
6 Houve um homem, enviado por Deus, que se chamava João.
7 Este veio como testemunha, para dar testemunho da luz, a fim de que todos cressem por meio dele.
8 Não era ele a luz, mas veio para dar testemunho da luz.
9 era a verdadeira luz que, vindo ao mundo, ilumina todo homem.
10 Estava no mundo e o mundo foi feito por ele, e o mundo não o reconheceu.
11 Veio para o que era seu, mas os seus não o receberam.
12 Mas a todos aqueles que o receberam, aos que crêem no seu nome, deu-lhes o poder de se tornarem filhos de Deus,
13 os quais não nasceram do sangue, nem da vontade da carne, nem da vontade do homem, mas sim de Deus.
14 E o Verbo se fez carne e habitou entre nós, e vimos sua glória, a glória que o Filho único recebe do seu Pai, cheio de graça e de verdade.
15 João dá testemunho dele, e exclama: “Eis aquele de quem eu disse: O que vem depois de mim é maior do que eu, porque existia antes de mim”.
16 Todos nós recebemos da sua plenitude graça sobre graça.
17 Pois a lei foi dada por Moisés, a graça e a verdade vieram por Jesus Cristo.
18 Ninguém jamais viu Deus. O Filho único, que está no seio do Pai, foi quem o revelou.
Palavra da Salvação.

Comentário ao Evangelho


            Comunicação é atividade primordial de toda a humanidade, e o seu instrumento privilegiado é a palavra. Diariamente somos sujeitados a uma enxurrada de palavras, que muitas vezes servem para ofuscar a verdade, e desvirtuar a justiça, funcionando como instrumento de opressão, em lugar de solidariedade humana. Assim, é bom iniciar a nossa reflexão com uma consideração sobre o conceito que está atrás do termo “Palavra”.
            Obviamente, a primeira referência para nós é a Palavra de Deus, com destaque para a sua Palavra comunicada através da Sagrada Escritura. No Antigo Testamento, o tema da Palavra Divina não é objeto de especulação abstrata, como é o caso com outras correntes de pensamento, por exemplo o “Logos” dos filósofos alexandrinos. É antes de tudo um fato experimental: Deus fala diretamente aos homens e mulheres, ao seu povo e a toda a humanidade.
         Palavra de Deus é comunicação, auto-expressão e acontecimento salvífico. : Por isso podemos afirmar que a própria criação assinala o começo da história da autocomunicação e ação salvadora de Deus. Assim podemos afirmar que a Palavra de Deus pode ser considerada sob dois aspectos, indissociáveis mas distintos: ela revela e ela age. Ela revela quem é o verdadeiro Deus, pelo que ele faz. O Deus dos hebreus não é o deus dos filósofos, distante, imutável, objeto de estudo e fria análise, mas um Deus que se revela na ação da sua Palavra criadora, congregadora e libertadora.   Isso fica claro no texto que podemos considerar a chave de toda a Escritura, pois o resto da Bíblia é conseqüência daquilo que ela revela:
“Eu vi muito bem a miséria do meu povo que está no Egito. Ouvi o seu clamor contra seus opressores, e conheço os seus sofrimentos. Por isso, desci para libertá-lo do poder dos egípcios” (Ex 3, 7-8).
        Esse “descer” do Deus bíblico tem seu auge na Encarnação, como lemos no Prólogo do Quarto Evangelho, no nosso texto de reflexão:
“No início era a Palavra, e a Palavra estava com Deus... e a Palavra era Deus... e a Palavra se fez carne e armou sua tenda no meio de nós”. (Jo 1, 1.14)
        O projeto de Deus acontece quando essa palavra se fez homem, armou a sua tenda (ou acampou) entre nós. O verbo grego usado “eskênôsen” deriva-se do termo “skêne, que significa uma tenda de campanha. Na visão do Quarto Evangelho, a Palavra, o Verbo Divino, "armou sua tenda” no meio da humanidade, não “ergueu o seu Templo!"” Templo é fixo, tenda é móvel, ou seja, aonde anda o povo, lá estará a Palavra Viva de Deus, encarnada na pessoa e projeto de Jesus de Nazaré. Nele e por ele a Palavra age, operando a salvação aqui na terra. Podemos afirmar que o mistério da Palavra tem agora como centro a pessoa de Jesus Cristo, inseparável da sua missão e projeto.
            Mas essa encarnação tornou-se o divisor das águas para a humanidade. Pois “Veio aos seus e os seus não a acolheram”. Assim o nosso texto desafia qualquer acomodação que porventura possa existir entre os cristãos, pois "acolher” a Palavra Encarnada não é em primeiro lugar uma crença intelectual, mas o assumir dum projeto de vida, o seguimento de Jesus de Nazaré. É uma adesão radical à pessoa e missão de Jesus, continuados em nós hoje. Como diz o Evangelho de Mateus, “nem todo aquele que me disser “Senhor, senhor!” entrará no reino de Deus, mas aquele que cumprir a vontade de meu Pai do céu”(Mt 7,21).
O nosso texto nos anima para que não esfriemos no seguimento de Jesus, e nos assegura :
“Aos que a receberam, os tornou capazes de ser filhos de Deus, os que creram nele, os que não nasceram do sangue, nem do desejo da carne, nem do desejo do homem, mas de Deus”(Jo 1,12s).

Lendo o Texto no Contexto:

       Porém, a tomada de consciência de Jesus da sua missão, da sua identidade, não foi algo automâtico. A Epístola aos Hebreus enfatiza claramente o processo pelo qual Jesus passou, quando diz: “Embora sendo Filho de Deus, aprendeu a ser obediente através dos seus sofrimentos”(Hb 5,8)
       Vale a pena lembrar que o sentido mais profundo do termo “obediente” vem do Latim “ob-audire”, que é escutar ou ouvir a vontade e Deus – e pô-la em práticaOu seja, é mais uma obediência profética, (fazendo da vida de Jesus uma expressão viva da Palavra e Vontade de Deus), do que meramente disciplinar, como muitas vezes foi entendido na prática religiosa. Dentro desse processo, não há dúvida que a Palavra de Deus nas Escrituras judaicas teve um lugar de destaque para Jesus. Durante trinta anos, Jesus alimentou a sua espiritualidade, a sua fé, nas mesmas fontes do povo sofrido do interior de Palestina – na espiritualidade dos "Anawim", os “Pobres de Javé”, que davam destaque especial para Segundo e Terceiro Isaías, Segundo Zacarias e Sofonias, que fomentavam esperança e coragem, afirmando a presença de Javé Libertador entre os pobres e aflitos, (p. ex; Os Quatro Cantos do Servo de Javé, Is 42, 1-9; 49, 49, 1-9ª; 50, 4-11; 52,13-53,12; Is 61, 1-11; Zc 9,9-11 e Sf 3,11-13;). Foi no confronto entre a Palavra de Deus, transmitida nas escrituras através dessas vozes proféticas, e a realidade dura do seu povo sofrido e explorado, que Jesus clareou e concretizou a sua identidade e missão, fazendo com que, segundo Marcos, a prisão de João fosse o sinal para que ele assumisse o manto profético messiânico, não conforme a expectativa da sociedade, mas dentro da visão dos pobres de Javé.
“Depois que João Batista foi preso, Jesus voltou para a Galiléia, pregando a Boa Notícia de Deus”( Mc 1, 14s).
      Assim nós também temos que ler esse e qualquer texto bíblico em diálogo com a realidade do nosso povo – mas de maneira especial do povo excluído, sofrido e marginalizado, como Jesus fez. As Constituições dos Missionários do Verboa Divino (SVD) enfatizam esse aspecto de Jesus quando diz no seu Prólogo: “O Verbo fez-se homem em Jesus de Nazaré para revelar o nome do Pai e anunciar o Reino do seu amor. Esse amor sem limites Jesus fê-lo visível no mundo pecador por sua incondicional doação a todos os homens, sobretudo aos sofredores
 Pois a palavra escrita só se torna Palavra Viva, expressão do Verbo Divino, quando encarnada na realidade do povo, seguindo as opções concretas de Jesus.
    A nossa identidade cristã, a partir do nosso batismo, brota desse exemplo do Verbo Encarnado, “que armou a sua tenda entre nós”.  A fonte da espiritualidade de Jesus de Nazaré foi mais em sintonia com a espiritualidade do povo do “anawim”, do que com a visão centralizadora e legalista do Templo e dos escribas. Jesus descobriu a sua missão e a colocou em prática a partir da sua prática de diálogo – com o Pai, com o povo, com as escrituras e com a situação real sócio-político-religiosa dos moradores de Galiléia. Ser cristão implica encarnar essa mesma prática em nossa obra evangelizadora, onde estivermos. Longe de termos a atitude dos escribas e fariseus, convencidos como eram de ter toda a verdade sobre Deus, temos que cultivar a atitude de Jesus em diálogo com os pobres e excluídos, com pessoas de outras culturas e expressões religiosas – e em muitos lugares essas categorias serão quase que sinônimas.
       Temos o desafio de cultivarmos a espiritualidade da “tenda” mais do que do “Templo” - nem sempre fácil numa Igreja cada vez mais clericalizada e centralizadora. Com a atitude do Verbo que se encarnou, é obrigação inerente na nossa identidade discípulo-missionária fazer um esforço cada vez maior de aculturação e inculturação, cultivando o respeito às experiências de Deus nas outras culturas e expressões religiosas, numa atitude de verdadeiro diálogo, que não é uma atividade a mais, mas “uma atitude de “solidariedade, respeito e amor” (GS 3), que deve permear todas as nossas atividades”.

Pontos de Meditação/Pregação:

1.   As implicações, para a minha/nossa vida cristã, do fato que o Verbo Divino “armou sua tenda no meio de nós”: compromisso com os mais pobres e marginalizados; itinerância; presença da Igreja nas áreas e situações de “fronteira”, nos “Novos Areópogos”; rejeição de tudo que possa criar “classes” dentro da comunidade cristã.
2.  O diálogo entre a realidade do povo sofrido e texto bíblico. “Oxalá vocês escutem hoje o que ele diz”(Sl 95,4) ; “Tua Palavra é Lâmpada para os meus pés e ;uz para o meu caminho”(Sl 119, 105). O desafio de descobrir a vontade de Deus na realidade do povo, iluminando a nossa situação com a prática de Jesus.
3.   Jesus foi motivado pela sua experiência de Deus da Bíblia, conforme o texto lapidar de Ex 3, 7-10. A necessidade de “ouvir”, “ver” “conhecer”e “descer” com uma leitura da realidade e do texto Bíblico a partir da realidade dos sofredores.
4.   O desafio de cultivar na minha vida e ação como cristã uma atitude de “solidariedade, respeito e amor” diante de outras culturas e tradições religiosas.


Salmo 97/98

Os confins do universo contemplaram
a salvação do nosso Deus.

Cantai ao Senhor Deus um canto novo,
porque ele fez prodígios!
Sua mão e o seu braço forte e santo
alcançaram-lhe a vitória.

Os confins do universo contemplaram
a salvação do nosso Deus.

O Senhor fez conhecer a salvação
e, às nações, sua justiça;
recordou o seu amor sempre fiel
pela casa de Israel.

Os confins do universo contemplaram
a salvação do nosso Deus.

Os confins do universo contemplaram
a salvação do nosso Deus.
Aclamai o Senhor Deus, ó terra inteira,
alegrai-vos e exultai!

Os confins do universo contemplaram
a salvação do nosso Deus.

Cantai salmos ao Senhor ao som da harpa
e da cítara suave!
Aclamai, com os clarins e as trombetas,
ao Senhor, o nosso rei!

Os confins do universo contemplaram
a salvação do nosso Deus.


4º Domingo do Advento - Ano A



Refletindo o Evangelho do Domingo

Pe. Thomaz Hughes, SVD

4º Domingo do Advento - Ano A



Mt 1, 18-24
“Ele vai salvar o seu povo dos seus pecados”




Oração do dia
Derramai, ó Deus, a vossa graça em nossos corações para que, conhecendo pela mensagem do anjo a encarnação do vosso Filho, cheguemos, por sua paixão e cruz, à glória da ressurreição. Por Nosso Senhor Jesus Cristo, Vosso Filho, na unidade do Espírito Santo.

EVANGELHO
+ Proclamação do Evangelho de Jesus Cristo segundo Mateus 1,18-24
1,18A origem de Jesus Cristo foi assim: Maria, sua mãe, estava prometida em casamento  a José, e, antes de viverem juntos, ela ficou grávida pela ação do Espírito Santo. 19José, seu marido, era justo e, não querendo denunciá-la, resolveu abandonar Maria, em segredo. 20Enquanto José pensava nisso, eis que o anjo do Senhor apareceu-lhe, em sonho, e lhe disse: 'José, Filho de Davi, não tenhas medo de receber Maria como tua esposa, porque ela concebeu pela ação do Espírito Santo. 21Ela dará à luz um filho, e tu lhe darás o nome de Jesus, pois ele vai salvar o seu povo dos seus pecados'. 22Tudo isso aconteceu para se cumprir o que o Senhor havia dito pelo profeta: 23'Eis que a virgem conceberá e dará à luz um filho. Ele será chamado pelo nome de Emanuel, que significa: Deus está conosco.' 24Quando acordou, José fez conforme o anjo do Senhor havia mandado, e aceitou sua esposa. Palavra da Salvação.   

COMENTÁRIO
   

        Esse texto nos relata a história da concepção virginal de Jesus, na versão mateana. Típico desse evangelho, escrito para uma comunidade predominantemente judeu-cristã em polêmica com o judaísmo rabínico dos últimos anos do primeiro século, o texto traz muitas releituras de trechos do Antigo Testamento. Para entendê-lo bem, devemos examiná-lo passo por passo, sempre lembrando do contexto em que foi escrito.

A primeira coisa a ser entendida é a situação “matrimonial” de Maria e José. O casamento judaico da época se dava em duas etapas - primeiro os noivos assumiam o compromisso publicamente, diante de testemunhas, mesmo que não coabitassem durante mais ou menos um ano. A situação era mais séria do que o nosso noivado - na lei judaica, qualquer relação sexual neste período seria considerada adultério. Em um segundo momento, a noiva era levada à casa do noivo, que assumia a responsabilidade pelo bem-estar dela, e os dois começavam a morar juntos. Foi no período entre as duas etapas que o texto coloca a anunciação a José. No relato de Mateus, diferente de Lucas, Maria não age diretamente - é José que desempenha o papel principal.
A atitude de José, de repudiar Maria secretamente, sempre levantava problemas para os estudiosos. Pois para que um repúdio fosse legal, tinha que ser feito publicamente com um certificado oficial (Dt 24, 1). Vários autores antigos debateram sobre a atitude de José. Como podia ser chamado de “homem justo”, se ele esconde o crime da sua desposada? (São Jerônimo). São Bernardo pensava que José conhecia, ou por revelação de Deus, ou por Maria, o fato da concepção virginal. Então, diante da presença de Deus Infinito, por temor reverencial e respeito ao mistério, queria se retirar em silêncio. Escrevendo para uma comunidade de tradição judaica, Mateus quer mostrar que Jesus, mesmo gerado pelo Espírito Santo, era realmente descendente de Davi, e herdeiro das promessas messiânicas, pois José o assumiu e deu-lhe o nome. Para a Bíblia, o nome muitas vezes significa a missão, ou a identidade, da pessoa. O nome de Jesus significa “Javé salva”! O nome resume toda a missão e projeto de vida do recém concebido!
            Os vv. 22-23 nos dão um belo exemplo de como os primeiros cristãos faziam releitura do Antigo Testamento, à luz da vida de Jesus. Infelizmente, muitas vezes este trecho é muito mal explicado, como se o profeta Isaías tivesse uma visão dos acontecimentos de Nazaré e Belém, assim reduzindo o profeta a mero vidente! De novo cumpre lembrar que Mateus, na sua polêmica com o judaísmo rabínico formativo, quer mostrar que Jesus realiza as promessas do Antigo Testamento, e portanto que os seus seguidores são os verdadeiramente fiéis à tradição judaica. Por isso, ele usa a tática de “citações de cumprimento das Escrituras” para interpretar os acontecimentos mais marcantes da vida de Jesus (1, 22; 2, 15.23; 4, 14; 8, 17; 13, 35; 21, 4; 27, 9). Assim, o trecho de hoje usa um texto de Isaías, onde, diante da recusa do Rei Acaz de pedir um sinal de Deus, o profeta aponta para a sua jovem esposa, já grávida, e diz que antes do filho chegar à idade de razão, os dois reis que o atacavam seriam derrotados (Is 7, 1-15). O texto original hebraico não falava de uma “virgem” mas usava um termo hebraico “almah” que significava tanto uma menina virgem, como uma jovem recém-casada. L. Stadelmann mostrou que o termo também designava uma senhora nobre estrangeira, no caso, a esposa estrangeira do Rei Acaz. Também, o texto hebraico diz que ela “concebeu” e não que “conceberá” (como foi traduzido pela versão dos Setenta, no grego). Portanto o oráculo de Is 7, 14 originalmente não se referia à Maria.
            A interpretação mariana vem de Mateus. Usando a tradução grega da Septuaginta, ele fala que “a virgem conceberá” e dará à luz o filho. A mudança do tempo do verbo, do passado para o futuro, na tradução da LXX, testemunha as expectativas messiânicas do tempo da tradução. Usando o texto de Is 7, 14, Mateus faz uma releitura do texto profético, aplicando-o ao Messias e à sua mãe. (às vezes sentimos confusão por causa das nossas traduções da Bíblia. A versão Ave Maria é traduzida do grego da LXX e não do hebraico original, como Jerusalém, TEB, Pastoral e outras).
            Este texto é muitas vezes explicado de uma maneira fundamentalista, sem levar em conta nem o contexto da profecia de Isaías, nem do escrito de Mateus, como se a frase “conforme as escrituras” significasse que Jesus só tinha que seguir tarefas predestinadas pelo Pai, de uma forma mecânica. Como diz A. Murad “a frase salienta que o grande sonho do povo, as suas aspirações, os seus desejos mais íntimos e utopias, as suas expectativas messiânicas, encontram realização na pessoa de Jesus... a partir da sua Ressurreição; os cristãos olham para o passado e se servem de imagens e trechos de profecias, para justificar essa experiência indescritível. Algumas vezes, como faz Mateus, chegam até a forçar e alterar parte do texto original. Não se sentem presos à letra da Escritura, mas, movidos pelo Espírito, que os faz ver o sentido último dos acontecimentos... Eles conferem sentido novo aos textos antigos, que muitas vezes extrapola a intenção original do seu autor. Assim acontece com Is 7, 14, reinterpretado por Mt 1, 22s. O primeiro texto não diz respeito a Maria e Jesus, o segundo sim. (Quem é esta Mulher? - Paulinas p. 213).
O texto de hoje nos dá o verdadeiro motivo da alegria do Natal - não porque é festa de presentes e festividades, mas porque recordamos (fazemos passar de novo pelo coração!) a verdadeira Boa-Nova: que Jesus era o “Emanuel”, o Deus-Conosco, Aquele que veio salvar-nos dos nossos pecados! Era a encarnação da bondade e de amor gratuito de Deus!

3º Domingo do Advento - Ano A


Refletindo o Evangelho do Domingo


Pe. Thomaz Hughes, SVD



3º Domingo do Advento - Ano A


Mt 11, 2-11
“És tu aquele que há de vir, ou devemos esperar outro?”


Oração do Dia:

Ó Deus de bondade, que vedes o vosso povo esperando fervoroso o natal do Senhor, daí chegarmos às alegrias da salvação e celebrá-las sempre com intenso júbilo na solene liturgia. Por Nosso Senhor Jesus Cristo, Vosso Filho, na unidade do Espírito Santo. Amém.

EVANGELHO
+ Proclamação do Evangelho de Jesus Cristo segundo Mateus
Naquele tempo: 2João estava na prisão. Quando ouviu falar das obras de Cristo, enviou-lhe alguns discípulos, 3para lhe perguntarem: 'És tu, aquele que há de vir, ou devemos esperar um outro?' 4Jesus respondeu-lhes: 'Ide contar a João o que estais ouvindo e vendo: 5os cegos recuperam a vista, os paralíticos andam, os leprosos são curados, os surdos ouvem, os mortos ressuscitam e os pobres são evangelizados. 6Feliz aquele que não se escandaliza por causa de mim!' 7Os discípulos de João partiram, e Jesus começou a falar às multidões, sobre João: 'O que fostes ver no deserto? Um caniço agitado pelo vento? 8O que fostes ver? Um homem vestido com roupas finas? Mas os que vestem roupas finas estão nos palácios dos reis. 9Então, o que fostes ver? Um profeta? Sim, eu vos afirmo, e alguém que é mais do que profeta. 10É dele que está escrito: 'Eis que envio o meu mensageiro à tua frente; ele vai preparar o teu caminho diante de ti'. 11Em verdade vos digo, de todos os homens que já nasceram, nenhum é maior do que João Batista. No entanto, o menor no Reino dos Céus  é maior do que ele.  Palavra da Salvação.

COMENTÁRIO
O tempo de Jesus era uma época de expectativas - dentro do sofrimento do povo, duramente reprimido pela ocupação romana e pela elite de Jerusalém, cresceu muito a esperança na vinda iminente de um Messias libertador, esperado há séculos. O primeiro século da nossa era foi marcado pelo aparecimento de muitos líderes populares, se propondo como Messias. Cada grupo da Palestina tinha as suas expectativas sobre como seria a pessoa e a atuação desse Messias prometido.
João, o Batista, era figura importante no cenário religioso palestinense da época. Mt 3, 11-12 (o evangelho do Domingo passado) nos apresenta a imagem do Messias apresentado pelo Precursor. Mas, a atuação concreta de Jesus, conforme relatada em Mt 8-9 parecia destoar tanto dessa expectativa, que causava dúvidas na mente de muita gente. Jesus era realmente o Esperado, ou seria ele mais uma decepção para o povo?
Jesus não se defende, explicando quem Ele é - pelo contrário, mostra que era o Messias, pelo que ele fazia! Usando textos do profeta Isaías, Ele mostra que o Reino de Deus chegou n’Ele, pois acontecem as obras de libertação que são características do Reino: com os mortos (Is 26, 19), os surdos (Is 29,18-19), os cegos, surdos, coxos e pobres (Is 35, 5-6), e o anúncio da Boa-Nova aos pobres (Is 61, 1). O messianismo de Jesus não se enquadrava dentro das expectativas de muitas pessoas que esperavam a derrota dos opressores, mas não vislumbravam um mundo novo baseado em solidariedade e justiça. Jesus veio estabelecer no meio de nós o Reino de Deus, fundamentado no conceito de “justiça” - o restabelecimento de relações corretas de cada pessoa com Deus, consigo mesmo, com o outro e com a natureza. Veio realmente criar novas relações - não somente velhas relações com os papéis invertidos, onde o oprimido vira opressor.
Jesus sempre é questionador, pois Ele e o seu projeto desafiam as nossas expectativas. Para muitos, a proposta de Jesus era difícil demais, pois mexia com o seu comodismo. Ele era uma novidade total que não se enquadrava nos velhos esquemas - por isso diz “E feliz de quem não se escandalizar (cair) por cause de mim” (v 11). Hoje também a pessoa e o projeto de Jesus desafiam a todos - especialmente nós cristãos. Pois facilmente temos a nossa ideia de como deve ser a figura do Messias - triunfal, poderoso, milagreiro, que não mexe com as estruturas sociais, políticas e econômicas da sociedade, que não nos desafia para que criemos novas relações, na contramão da sociedade materialista, individualista e consumista. Muitos hoje preferem um Jesus “light” - que funciona como analgésico, que nos apazigua a consciência, que nos dá emoções fortes, mas que não nos joga na luta dura da criação de uma nova sociedade baseada nos princípios do Reino!
            E onde existe esse Reino? Existe onde se faz o que Jesus fazia - onde os mais excluídos estão integrados, os rejeitados estão acolhidos, a Boa-Nova de libertação total é pregada e vivenciada, e se faz a vontade de Jesus que veio “para que todos tenham a vida e a tenham em abundância” (Jo 10, 10). É este Jesus que aguardamos no Natal. Portanto, que Advento seja também tempo de purificação das falsas imagens d’Ele que talvez permeiem as nossas mentes. Pois só renasce Jesus onde as pessoas, sejam elas cristãs ou não, se comprometem com as mesmas metas dele, conforme o texto nos demonstra. Felizes de nós se essas exigências não sejam escândalo para nós. A novidade perene do Evangelho e de Jesus nos desafia a rompermos com os nossos velhos esquemas para que concretizemos nas nossas vidas a vinda do Reino.


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