sábado, 23 de agosto de 2014

21º Domingo Comum - Ano A


Refletindo o Evangelho do Domingo

Pe. Thomaz Hughes, SVD

Vigésimo Primeiro Domingo Comum

Mt 16, 13-20

 “E vocês, quem dizem que eu sou?



Oração do dia
Ó Deus, que unis os corações dos vossos fiéis num só desejo, dai ao vosso povo amar o que ordenais e esperar o que prometeis, para que, na instabilidade deste mundo, fixemos os nossos corações onde se encontram as verdadeiras alegrias. Por Nosso Senhor Jesus Cristo, Vosso Filho, na unidade do Espírito Santo.

Evangelho - Mt 16,13-20

+ Proclamação do Evangelho de Jesus Cristo segundo Mateus
Naquele tempo: 16,13Jesus foi à região de Cesaréia de Filipe e ali perguntou a seus discípulos: 'Quem dizem os homens ser o Filho do Homem?' 14Eles responderam: 'Alguns dizem que é João Batista; outros que é Elias; Outros ainda, que é Jeremias ou algum dos profetas.' 15Então Jesus lhes perguntou: 'E vós, quem dizeis que eu sou?' 16Simão Pedro respondeu: 'Tu és o Messias, o Filho do Deus vivo.' 17Respondendo, Jesus lhe disse: 'Feliz és tu, Simão, filho de Jonas, porque não foi um ser humano que te revelou isso, mas o meu Pai que está no céu. 18Por isso eu te digo que tu és Pedro, e sobre esta pedra construirei a minha Igreja, e o poder do inferno nunca poderá vencê-la. 19Eu te darei as chaves do Reino dos Céus: tudo o que tu ligares na terra será ligado nos céus; tudo o que tu desligares na terra será desligado nos céus.' 20Jesus, então, ordenou aos discípulos que não dissessem a ninguém que ele era o Messias. Palavra da Salvação.

COMENTÁRIO


Aqui temos a versão mateana da profissão de fé de Pedro, que Marcos (Mc 8, 27-35) coloca como pivô de todo o seu evangelho.  Este trecho levanta as duas perguntas fundamentais de todos os Evangelhos: Quem é Jesus? O que significa ser discípulo dele?
São duas perguntas interligadas, pois a segunda resposta depende muito da primeira. A minha visão de Jesus determinará a maneira do meu seguimento dele.
O diálogo começa com uma pergunta um tanto inócua: “Quem dizem os homens que é o Filho do Homem?”  É inócua, pois não compromete quem responde - o “diz que” compromete ninguém, pois expressa a opinião de outros.  Por isso chove respostas da parte dos discípulos: “João Batista, Elias, Jeremias, ou um dos profetas!”.  Mas Jesus não quer parar aqui - esta pergunta foi só uma introdução. Depois vem a facada!: “E vocês, quem dizem que eu sou?”
Agora não há muitas respostas, pois quem responde vai se comprometer - não será a opinião de outros, mas a pessoal!  Esta opinião traz conseqüências práticas para a vida.  Finalmente, Pedro se arrisca: O Messias, o Filho de Deus vivo”.
Aqui Mateus acrescenta vv. 17-19, pois quer destacar o papel de Pedro (e, por conseguinte, dos líderes da sua própria comunidade), na função de ligar e desligar da comunidade, que nos Evangelhos somente aqui e em Cap. 18 é chamada de “Igreja”.  “As chaves do Reino” não se refere ao poder de perdoar pecados, mas de integrar e desligar pessoas da comunidade dos discípulos.
O fundamento, o alicerce, dessa comunidade é o conteúdo da profissão de Pedro “Tu és o Messias, o Filho de Deus vivo”.  Mas continuam no ar as duas perguntas que são o cerne do Evangelho: “Quem é Jesus?”, e “o que significa segui-lo?“  Pois os termos que Pedro usa são ambíguos, porque cada um os interpreta conforme a sua cabeça.  Por isso, Jesus toma uma atitude, aparentemente estranha: “Ele ordenou os discípulos que não dissessem a ninguém que ele era o Messias!” Que coisa esquisita!  Jesus proíbe que se fala a verdade sobre ele!  Como é que ele espera angariar discípulos deste jeito?  O assunto merece mais atenção.
Realmente, Pedro acertou em termos de teologia, de “ortodoxia”, conforme diríamos hoje.  Ele usou o termo certo para descrever Jesus.  Mas Jesus quer esclarecer o que significa ser O Messias de Deus”.  Pois cada um pode entender este termo conforme os seus desejos.  Jesus quer deixar bem claro que ser “messias” (um termo hebraico; em grego seria “cristo”, e significa “ungido”) para ele é ser o “Servo de Javé”. É vivenciar o projeto do Pai, que necessariamente vai levá-lo a um choque com as autoridades políticas, religiosas, e econômicas, enfim, com a classe dominante do seu tempo.  Não significa ser o Messias nacionalista e triunfalista das expectativas de então.
No nosso tempo, quando é moda apresentar um Jesus “light”, sem exigências, sem paixão, sem Cruz, sem compromisso com a transformação social, o texto nos desafia para clarificar em que Jesus acreditamos?  O Jesus sentimental, que existe para resolver os meus problemas, tão amado por setores da mídia, e também de grandes setores das Igrejas, ou o Jesus bíblico, o Servo de Javé, que veio para dar a vida em favor de todos?  O Jesus da “teologia de prosperidade” ou o Jesus proclamado quase diariamente pelo Papa Francisco, o Jesus de Nazaré verdadeiro?  Esse assunto virá à tona no Evangelho do próximo domingo.


Salmo - Sl 137,1-2a.2bc-3.6.8bc (R. 8bc)

R. Ó Senhor, vossa bondade é para sempre!
    completai em mim a obra começada!

137,1Ao Senhor, de coração eu vos dou graças, *
    porque ouvistes as palavras dos meus lábios!
    Perante os vossos anjos vou cantar-vos *
2ae ante o vosso templo vou prostrar-me.

R. Ó Senhor, vossa bondade é para sempre!
    completai em mim a obra começada!

2bEu agradeço vosso amor, vossa verdade,*
2cporque fizestes muito mais que prometestes;
3naquele dia em que gritei, vós me escutastes*
  e aumentastes o vigor da minha alma.

R. Ó Senhor, vossa bondade é para sempre!
    completai em mim a obra começada!

6Altíssimo é o Senhor, mas olha os pobres,*
  e de longe reconhece os orgulhosos.
8bó Senhor, vossa bondade é para sempre!*
8cEu vos peço: não deixeis inacabada,
   esta obra que fizeram vossas mãos!

R. Ó Senhor, vossa bondade é para sempre!
    completai em mim a obra começada!


sábado, 21 de junho de 2014

12º DOMINGO COMUM - Ano A



Refletindo o Evangelho do Domingo

Pe. Thomaz Hughes, SVD

DÉCIMO SEGUNDO DOMINGO COMUM

Mt 10, 26-33

 Não tenham medo!

Oração do dia
Senhor, nosso Deus, dai-nos por toda a vida a graça de vos amar e temer, pois nunca cessais de conduzir os que firmais no vosso amor. Por Nosso Senhor Jesus Cristo, Vosso Filho, na unidade do Espírito Santo.

Evangelho - Mt 10,26-33

+ Proclamação do Evangelho de Jesus Cristo segundo Mateus 10,26-33
Naquele tempo, disse Jesus a seus apóstolos: 10,26Não tenhais medo dos homens, pois nada há de encoberto que não seja revelado, e nada há de escondido que não seja conhecido. 27O que vos digo na escuridão, dizei-o à luz do dia; o que escutais ao pé do ouvido, proclamai-o sobre os telhados! 28Não tenhais medo daqueles que matam o corpo, mas não podem matar a alma! Pelo contrário, temei aquele que pode destruir a alma e o corpo no inferno! 29Não se vendem dois pardais por algumas moedas? No entanto, nenhum deles cai no chão sem o consentimento do vosso Pai. 30Quanto a vós, até os cabelos da cabeça estão todos contados. 31Não tenhais medo! Vós valeis mais do que muitos  pardais. 32Portanto, todo aquele que se declarar a meu favor diante dos homens, também eu me declararei em favor dele diante do meu Pai que está nos céus. 33Aquele, porém, que me negar diante dos homens, também eu o negarei diante do meu Pai que está nos céus. Palavra da Salvação.

COMENTÁRIO
“Não tenham medo!” Essa orientação de Jesus ressoa três vezes neste curto trecho! Este tipo de conselho indica que o contrário era realidade na comunidade para a qual o evangelho se dirigia! Como somente se toma remédio quando se tem uma doença, também somente se enfatiza a mesma coisa com tanta ênfase quando é para combater um perigo na vida de uma comunidade.
Então parece que medo era um problema para os membros das comunidades mateanas. Medo de que? O trecho que antecede o de hoje deixa bem claro. Nos versículos 16-25 Jesus fala das perseguições que os seus discípulos terão que enfrentar. Inclui perseguição por parte do poder civil (“entregarão vocês aos tribunais”), perseguição pela a autoridade religiosa judaica (“acoitarão vocês nas sinagogas deles”) e até perseguição e rejeição pelos membros das suas próprias famílias (“irmão entregará à morte o próprio irmão; o pai entregará os filhos; os filhos se levantarão contra os pais e os matarão”). Quando Mateus escreve essas palavras, este cenário já era conhecido no meio das suas comunidades. Pois enquanto nos primeiros anos da Igreja os cristãos eram tolerados dentro da comunidade dos judeus como uma seita não muito diferente das outras seitas judaicas, e eram, portanto, tolerados pelo Império Romano, que dava ao judaísmo o status de “religião lícita”, nos anos depois de 85 dC tudo mudou. Um grupo de rabinos fariseus, liderados pelos mestres Yohannan bem Zakkai e Gamaliel II tentava reerguer o judaísmo, sem Templo, sem sacerdócio, sem Jerusalém, ao redor da estrita observância da Lei. Era urgente reagrupar os judeus depois da destruição de Jerusalém, e dar-lhes uma nova identidade. Para isso aparecia-lhes necessário insistir na Lei, na sua interpretação farisaica. Assim, o “desvio” cristão parecia algo que pudesse minar este projeto, e os judeu-cristãos começaram a ser expulsos das sinagogas. Isso implicava ser rejeitados na sua identidade religiosa, familiar e cultural e vistos como traidores pela sua comunidade tradicional. Famílias se rachavam e os judeu-cristãos eram denunciados pelos próprios familiares. Expulsos das sinagogas, não mais pertenciam a uma religião lícita e corriam o risco de serem perseguidos também pelo poder imperial. Como então não entrar em crise, ter medo?

Mateus enfrenta o problema dando-lhes uma mística. Se assim aconteceu com o Mestre, como não acontecerá com o discípulo? A perseguição não era sinal de fracasso, mas de fidelidade no seguimento de Jesus! Por isso, não deveriam ter medo, pois o Pai jamais iria abandoná-los. O grande perigo era deixar que o medo os paralisasse, ou os levasse a mudar de opção de vida, escolhendo a aprovação humana em lugar da fidelidade do discipulado.

Hoje, em geral não somos perseguidos por causa da nossa religião, pelo menos enquanto limitamos a religião à esfera privada. (Na verdade, há mais cristãos perseguidos no mundo hoje do que nos tempos do Império Romano – outra realidade do que a do Brasil). O mundo nosso até aprova a religião como opção particular, uma vez que não tenha conseqüências sociais e econômicas. Mas persegue a religião que ousa tirar as conclusões práticas do seguimento de Jesus, que veio “para que todos tenham a vida e a tenham em abundância” (Jo 10,10). Temos presenciado nisso nas ameaças sofridas por lideres nossos, bispos, padres religiosos/as e leigos/as, especialmente no Norte do país. O mundo globalizado do neoliberalismo excludente, que prega o “evangelho” da competitividade e o paraíso do consumo, rejeita a religião que prega a justiça, a partilha, o cuidado dos mais fracos e indefesos, a solidariedade. Religião dentro do templo, sim, mas aí de quem procura concretizá-la na luta por terra, teto, salário, direitos humanos etc.

Por isso devemos levar a sério o que Jesus nos adverte quando diz “não tenham medo daqueles que matam o corpo, mas não podem matar a alma”. Devemos temer, sim, a tentação de nos conformarmos com as exigências duma sociedade egoísta e idolátrica, que ameaça matar a alma das Igrejas, deixando-as com o seu “corpo” – templos, festas, honras, prédios etc,- mas matando a sua “alma” – a prática da opção evangélica pelos oprimidos. O Brasil também tem os seus mártires – e a lista é comprida – que deram a sua vida nas perseguições lançadas pelas ditaduras, latifundiários, e elites. É sinal duma igreja viva. Mas não é fácil manter-se firme diante das seduções da sociedade consumista, aliadas às ameaças dos detentores do poder. Assim soa atual a última advertência do trecho, “quem me renegar diante os homens, eu também renegarei diante do meu Pai”. Mas também deve nos animar para a luta e a coerência a frase anterior, “quem der testemunho de mim diante dos homens, também eu darei testemunho dele diante do meu Pai”. Tanto o testemunho como a renegação normalmente não se faz com a boca, mas com as opções concretas em favor dos oprimidos ou dos opressores, no nível individual e eclesial. Lembremo-nos do canto que tantas vezes cantávamos nas Missas e encontros: “Não temais os que tudo deturpam pra não ver a justiça vencer; tende medo somente do medo de quem mente pra sobreviver”.