Refletindo o Evangelho do Domingo
Pe. Thomaz Hughes, SVD
Vigésimo Nono Domingo Comum - Ano A
Com o texto de hoje, entramos em um bloco de quatro unidades que tratam de diversas controvérsias com lideranças judaicas diferentes - os fariseus, os herodianos e os saduceus. A discussão de hoje talvez seja a mais conhecida, mas muitas vezes tem sido interpretada de maneira errada, projetando sobre Jesus os nossos preconceitos políticos e sociais.
É necessário entender que não se tratava de uma pergunta sincera feita a Jesus, mas de uma cilada. Pois, quem a faz são membros de dois grupos politicamente opostos e antagônicos - os herodianos, “pelegos” da dominação romana, e os fariseus, muitos dos quais olhavam os herodianos como impuros, por motivo da sua colaboração com o poder estrangeiro. Se Jesus respondesse que era lícito pagar o imposto, correria o risco de ser apresentado pelos nacionalistas como um opressor do povo. Se negasse, poderia ser denunciado pelos herodianos como subversivo político. É uma situação semelhante à da pergunta de João 8, 1-11 (a mulher adúltera), onde qualquer resposta deixaria Jesus em maus lençóis. Como naquela ocasião, Jesus se mostra verdadeiro mestre, escapando da cilada, e por cima, dando um ensinamento importante.
Primeiro, Ele deixa claro que Ele entende a jogada: “Hipócritas, por que me armais uma cilada?” Coloca os seus interlocutores contra a parede, pedindo uma moeda do imposto, e perguntando: “De quem são esta efígie e esta inscrição?” A inscrição seria “Tibério César Filho do Divino Augusto, Sumo Pontífice” - mostrando as pretensões do Império Romano à divinização. Com a resposta: “Dai, pois, a César o que é de César e a Deus o que é de Deus”, Jesus joga para os seus ouvintes a pergunta essencial: o que pertence a César, e o que pertence a Deus? A Deus pertence a divindade, não ao Império Romano e nem a César. Assim, ele evita confirmar o projeto nacionalista violento de muitos judeus da sua época; mas, condena também qualquer projeto que divinizasse o poder civil. Uma advertência muito atual para os nossos dias, quando o único poder imperial hegemônico (muito semelhante à situação do Império Romano do tempo de Jesus), reivindica para si o poder de impor as suas decisões sobre todas as nações, taxando quem discorda da sua dominação ideológico, econômico e militar de “terrorista”. O poder civil existe para cuidar do povo - que é de Deus - e não para explorá-lo. Jesus assim nega as aspirações imperialistas e, evitando uma resposta direta à pergunta, relativiza todo e qualquer poder, pois o verdadeiro poder só pertence a Deus.Nos nossos dias, ainda existem poderes com as mesmas aspirações dos Romanos. Embora não digam abertamente, os arautos do neo-liberalismo desenfreado divinizam um sistema que só visa o lucro e a ganância e explora o povo sofrido. As palavras de Jesus nos lembram que nenhum cristão pode compactuar com qualquer sistema - seja político, econômico ou religioso - que atribui a si o que pertence a Deus. O texto de forma alguma justifica um dualismo entre o espiritual (de Deus) e o material (de César). Pelo contrário, mostra que o poder político, econômico e religioso deve estar a serviço do bem comum, pois, ao contrário, está roubando o que é de Deus - o seu povo. Não se pode entregar às garras de um poder opressor, seja ele estrangeiro ou nacional, o que pertence ao Pai. O poder é legítimo quando está a serviço da vida e do bem-estar comum, e não de uns poucos privilegiados. “Dar a Deus o que é de Deus” não se resume em rituais religiosos, mas na construção de uma sociedade de solidariedade, justiça e fraternidade, onde todos possam “ter a vida e a vida em abundância” (Jo 10, 10). Na medida em que lutamos por esse objetivo, estaremos dando “a César o que é de César e a Deus o que é de Deus”.
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